“É livre a manifestação do pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, sendo vedado o anonimato. (CF 88).”

quarta-feira, 3 de junho de 2009

As circunstâncias diferem





O desembargador Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, para embasar seu voto, coloca, no relatório, precedente julgado em 23/03/2006 (processo 70011625894) pela 13ª Câmara Cível, tendo como relatora a desembargadora Ângela Terezinha  de Oliveira Brito sem, contudo, avaliar o caso,  que difere do meu. Para melhor entendimento do que afirmo, exponho a sentença  da Juíza de Direito Josiane Caleffi Estivalet, da 1a Vara Cível da Comarca de Santo Ângelo, omitindo o nome completos das partes envolvidas.


Processo nº:    029/1.03.0001979-9
Natureza:          Embargos de Terceiro
Embargantes:   P. C. K. e G. M. M. K.
Embargado:     Banco Itaú S A
Juiz Prolator:    Dra. Josiane Caleffi Estivalet
Data:                 28/12/2004

S E N T E N Ç A

Vistos.
P. C. K. e G. M. M..I K., qualificados nos autos, opuseram Embargos de Terceiro contra o BANCO ITAÚ S/A, igualmente qualificado.

Contaram que em 1992, através de escritura pública de compra e venda, adquiriram o imóvel da matrícula nº 27.674, logo providenciando, inclusive, no recolhimento do tributo incidente sobre esta transação (ITBI).
Salientaram que estavam convictos de que o Tabelionato, “por força de suas próprias diligências”, promoveria o registro dessa escritura junto ao Cartório Imobiliário, como já teria acontecido por ocasião de outros negócios.
Contudo, afirmaram que o Tabelionato deixou de promover o registro da escritura, vindo os Embargantes, no ano de 2001, tomar ciência de que seu imóvel (matrícula 27.674) foi objeto de penhora no processo de Execução (nº 59.141) movido pelo Embargado contra A. H., anterior proprietário do bem.
Destacaram que o processo executivo mencionado, e até mesmo a dívida que o fundamenta são fatos posteriores à aquisição do imóvel, pelos Embargantes.
À luz dos acontecimentos, ressaltaram que adquiriram o imóvel imbuídos de boa-fé, transcrevendo jurisprudência atinente à matéria, e requerendo, enfim, a desconstituição da penhora que incidiu sobre o mesmo (matrícula nº 27.674).
Acostaram os documentos de fls. 07/33.
Os autos da Execução nº 59.141 foram apensados a este feito, fl. 34 e verso.
Os Embargos foram recebidos, e a Execução suspensa, fl. 35.
Citado (fl. 37v), o Banco contestou (fls. 38/46). Sustentou, em síntese, que ao requerer a penhora do imóvel da matrícula nº 27.674 teve o cuidado de instruir o pedido com certidão “recente” da matrícula, quando, naquela ocasião, figurava como proprietário desse bem o Sr. A. H. (Executado nos autos 59.141).
Salientou que os documentos mencionados pelos Embargantes (escritura pública de compra e venda, contrato particular de promessa de compra e venda) não se prestam para o desiderato pretendido, já que a transmissão da propriedade imobiliária somente se perfectibiliza com o registro do título, junto ao Àlbum Imobiliário.
Mencionou, outrossim, que os Embargantes - caso efetivamente tenham negociado o imóvel – foram por demais negligentes, já que, por quase uma década, deixaram de regularizar essa transação, ressaltando, ainda, que o Tabelião não tem a atribuição legal de providenciar no registro da escritura.
De resto, invocou a súmula 621 do Supremo Tribunal Federal; transcreveu jurisprudência acerca da matéria e; ressaltou que “inexiste propriedade dos embargantes sobre o bem penhorado”. Em caso de procedência, requereu a isenção da condenação atinente à sucumbência, em face do princípio da causalidade.
Protestou, enfim, pela improcedência dos Embargos, e acostou o documento de fl. 47.
Houve réplica (fls. 50/55), quando os Embargantes reeditaram, basicamente, seus argumentos iniciais.
Na seqüência, as partes foram instadas a se pronunciar quanto ao interesse na dilação probatória, tendo ambas rogado pela produção da prova testemunhal, fls. 59/63.
Durante a instrução, foi ouvido o Embargante, bem como cinco testemunhas, fls. 79/82 e verso.
Os Embargantes trouxeram aos autos novos documentos (fls. 83/85), do que o Banco teve vista, manifestando-se na fl. 87.
Encerrada a instrução, as partes apresentaram memoriais (pelo Embargado às fls. 108/110, e pelos Embargantes às fls. 111/116).É o relatório. Passo a decidir.
Estou por acolher o pedido formulado nestes Embargos, e, conseqüentemente, ordenar o levantamento da penhora incidente sobre o imóvel da matrícula nº 27.674.
Fartamente demonstrado nos autos que os Embargantes, lá no ano de 1992, adquiriram – de fato – o imóvel objeto da discussão. Atestam isso o contrato particular de compra e venda, firmado em 28.02.1992, bem como a respectiva Escritura Pública lavrada em 28.04.1992 (documentos de fls. 09/12).
Tal negócio, destaque-se, emerge incontroverso, pois sequer foi alvo de impugnação, por parte do Banco. Aliás, o Embargado, por sinal, até mesmo admite a existência dessa transação, ressalvando, apenas, que ela “necessita ser melhor explicitada” (fl. 40).
Se a transação operada em 1992 é incontroversa, também o é o fato de que os Embargantes não promoveram, logo em seguida, o registro da Escritura, perante o Álbum Imobiliário.
Neste particular, tem razão o Banco quando protesta dizendo que não se operou, em 1992, a transmissão da propriedade, pois a teor do disposto no artigo 530, I, do Código Civil[1] (vigente à época do negócio), a aquisição da propriedade imobiliária se opera mediante a “transcrição do título de transferência no Registro do Imóvel”.
Gize-se que a defesa do Embargado gira quase que unicamente em torno desse argumento, ou seja: na ausência do registro do título, junto ao Cartório Imobiliário. E a ausência desse registro, conseqüentemente, acabou dando margem para que o Banco, em 2001, promovesse a penhora do imóvel, pois na certidão da matrícula ainda figurava como proprietário o Sr. A. H. (Executado nos autos 59.141).
Não obstante tais circunstâncias, estou convicta de que o direito socorre aos Embargantes. O primeiro motivo assenta-se na boa-fé dos mesmos. Segundo alegam, não se preocuparam com o registro da Escritura porquanto acreditaram que tal providência seria automaticamente adotada pelo Tabelionato. E, com efeito, a prova testemunhal produzida mostra que, de fato, essa sistemática é adotada pelos Cartórios públicos.
A propósito da boa-fé, vale também destacar que a transação desse imóvel se deu muito antes do aforamento da Execução, pelo Banco, e inclusive antes mesmo da assinatura do título que a fundamenta. Digo isso para frisar que sequer se cogita, no caso vertente, de eventual fraude a execução.
Depois, tenho que a pretensão dos Embargantes encontra amparo na súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”.
Esta súmula, importante alertar, acabou revogando a de nº 621, do Supremo Tribunal Federal.
Desta feita, estando cabalmente comprovada nos autos a posse dos Embargantes (mesmo que indireta), desde 1992, posse essa decorrente do contrato particular de compra e venda, e, depois, da respectiva Escritura Pública, estando, ainda, demonstrada a sua boa-fé, impõe-se acolher o pleito formulado na inicial.
Antes, afigura-se no todo adequado e pertinente trazer a lume os seguintes julgados, a respeito da matéria:
EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DE IMÓVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADA.
Ainda que não registrada a promessa de compra e venda é perfeitamente possível a defesa de sua posse pelo aforamento dos embargos de terceiro. Pretensão legitimada pela Súmula 84 do STJ. Revogação da Súmula 621 do STF. Sucumbência.
Apelação improvida.
(Apelação Cível nº 70003937943, 19ª Câmara Cível do TJRS, Capão da Canoa, Rel. Des. Guinther Spode. j. 11.03.2003, unânime).
EMBARGOS DE TERCEIRO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. PENHORA DE BOX. PROVA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADA NO ÁLBUM IMOBILIÁRIO. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA.
I - Na forma da Súmula nº 84 do STJ, é cabível a interposição de embargos de terceiro com base em promessa de compra e venda, ainda que não registrada no álbum imobiliário.
II - Tendo o embargante comprovado o fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 333, inciso I, do CPC, no caso, de ser possuidor, ao amparo de instrumento de compra e venda não registrado, do bem constrito no Processo Executivo de que não é parte (art. 1046, "caput", e § 1º, do CPC), impõe-se a procedência dos Embargos, pois incorre fraude à Execução.
III - O oferecimento de resistência por parte do banco embargado a pretensão do embargante, impugnando os Embargos para que fosse mantida a penhora, enseja, ao sucumbir no feito, a condenação ao ônus sucumbenciais daí decorrentes.
IV - Negaram provimento à Apelação. (fls. 06).
(Apelação Cível nº 70003689502, 17ª Câmara Cível do TJRS, Porto Alegre, Rel. Des. Fernando Braf Henning Júnior. j. 26.02.2002).
Por derradeiro, estou por afastar o invocado princípio da causalidade, e condenar o Banco ao pagamento da verba sucumbencial. É que, no entender desta Julgadora, as peculiaridades deste caso concreto não dão margem para a aplicação daquele princípio. Vejamos.
Certo que a penhora sobre o imóvel da matrícula 27.674 acabou se realizando em função da falta de cautela, e até mesmo em razão negligência dos Embargantes (pois deixaram de promover o registro, no Cartório Imobiliário). Por isso, nada poderia, em tese, ser debitado do Banco por ter promovido a constrição desse bem.
Acontece que a situação fática trazida nestes Embargos não representou nenhuma surpresa para o Embargado. Ao revés, ela já foi, pelos próprios Embargantes, outrora noticiada no processo de Execução (fls. 47/62 dos autos 59.141) justamente como forma de evitar o manejo desta Ação.
O Banco, todavia, resistiu ao pedido incidentalmente formulado naqueles autos, pugnando, incisivamente, pela manutenção da penhora.
Posteriormente, já neste feito, por duas oportunidades (na inicial e réplica) os Embargantes acenaram que desistiriam de persecutar a verba sucumbencial, acaso houvesse a desistência da penhora, por parte do Banco. Este, contudo, não se dispôs a tanto. Pelo contrário, ofereceu ampla resistência ao pedido, desencadeando, inclusive, a instrução do processo. Como agora sucumbiu, não vejo outra solução senão condená-lo, naturalmente, ao pagamento da verba sucumbencial.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido feito por P. C. K.N e G. M. M.I K. , nos Embargos de Terceiro manejados contra o BANCO ITAÚ S/A para DESCONSTITUIR a penhora incidente sobre o imóvel da matrícula nº 27.674, objeto do R-2/27.674, emanada do processo de Execução nº 59.141.
Sucumbente, arcará o Embargado com o pagamento das custas processuais, e honorários advocatícios devidos ao patrono da parte adversa, fixados, esses, em R$ 3.000,00 (três mil reais), com base no artigo 20, § 4º, do código de Processo Civil.
Transitada em julgado, expeça-se mandado para cancelamento do registro da constrição, intimando-se os Embargantes para encaminhá-lo.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Santo Ângelo, 28 de dezembro de 2004.
Josiane Caleffi Estivalet -  Juíza de Direito

***
Os embargantes P. C. K. e G. M. M. K.,  neste caso, adquiriram o imóvel em 1992, através de escritura pública de compra e venda,  logo providenciando no recolhimento do tributo incidente sobre a transação (ITBI). Entretanto, a compra não foi  registrada no Registro de Imóveis de Santo Ângelo. Os embargantes acreditavam que o Tabelionato, “por força de suas
próprias diligências”, promoveria o registro dessa escritura junto ao Cartório Imobiliário.
Em 17/10/2000, o banco ajuizou ação contra o antigo proprietário (executado nos autos 59.141). No relatório, a julgadora expõe que o banco alegou  que, ao requerer a penhora do imóvel, “teve o cuidado de instruir o pedido com certidão ‘recente’ da matrícula, quando, naquela ocasião, figurava como proprietário desse bem o Sr. A. H”. Entretanto, durante o processo, ficou provado  que à época da constrição judicial e mesmo antes do ajuizamento do processo de execução, o imóvel não mais pertencia ao executado. Ele já havia sido escriturado pelos compradores.  Segundo relato da julgadora, “a documentação juntada aos autos indica que mesmo quando firmado o contrato que deu origem à dívida executada (fl. 06 – apenso) o imóvel não mais pertencia ao devedor A. H., mas, sim, a terceiro estranho à lide”. A juíza entendeu que a Súmula 84 “se enquadra perfeitamente ao caso dos autos, restando pacificado que o comprador tendo a sua posse ameaçada pode defendê-la por meio de embargos de terceiro, mesmo que o contrato de compra e venda não tenha sido registrado, como é o caso em tela”.

Observe-se que, no meu caso, quando da averbação da segunda penhora, o imóvel  que  deu origem aos embargos de terceiro pelo Município de Porto Alegre, ainda pertencia à empresa de Nelson Luiz da Silveira, já que  a Prefeitura não havia reconhecido as firmas do compromisso de compra e venda e não tinha registrado tal documento, assim como a escritura. Os magistrados, no meu entendimento, devem levar em conta que essa transação não foi realizada por “cidadãos comuns”,  mas por uma empresa e um órgão público, que deve tomar todas as cautelas nos seus feitos, observando a lei. O negócio foi entabulado na  vigência do Art. 530. I, do Código Civil  que vigorava à época do contrato.

Na Apelação Cível Nº 70009486911, julgada em 16/09/2004, pela Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, o relator  Carlos Eduardo Zietlow Duro entendeu que é “Aplicável a Súmula 84 do STJ. Comprovada a posse, através de contrato de promessa de compra e venda, com assinatura das partes contratantes devidamente reconhecidas, existindo prova documental da ocupação do imóvel, pela embargante, há vários anos, em data anterior ao ajuizamento da ação de execução, inclusive do próprio contrato que originou a execução, é de ser reconhecida a eficácia perante terceiros da negociação efetuada, devendo ser desconstituída a penhora realizada”.
 Observe que o relator Carlos Eduardo   também entende que a aplicação da Súmula  dá-se “com assinatura das partes contratantes devidamente reconhecidas”,  e também em data anterior ao ajuizamento da ação de execução.
Esses dois casos, apresentados pelo desembargador    Antonio Corrêa Palmeiro da Fontoura, não são análogos ao meu, pois o contrato de compra e venda entre Agropastoril Santa Márcia S.A. e Município de Porto Alegre não apresentou assinaturas reconhecidas; este documento não foi registrado em cartório, tampouco houve Escritura Pública lavrada e registrada  antes das averbações das duas penhoras. E mais,  a alienação ocorreu depois de ajuizado processo de execução.



[1] Art. 530.  Adquire-se a propriedade imóvel: I - pela transcrição do título de transferência no Registro do Imóvel.

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“É preciso entender que as leis servem apenas para orientar a nossa convivência, como sociedade. Mas nosso comportamento como pessoas depende de nossos valores, do uso de nosso discernimento e da nossa liberdade. Não dependemos de governos, partidos e líderes para sermos honestos e verdadeiros. Os valores morais é que nos mostram o caminho do bem e da verdade, são eles que impedem o ser humano de praticar atos ilícitos. Quando não são importantes na vida das pessoas, não há sistema que impeça um lamaçal de corrupção e de maldades.

Caráter, consciência, amor à verdade e ao próximo, generosidade, fidelidade, responsabilidade, respeito ao alheio, senso de justiça, são essas as virtudes que comandam a vida pública. Abandoná-las é decisão pessoal. Toda culpa é pessoal. Ela é decorrente do mau uso da liberdade. A culpa é tão intransferível quanto as virtudes. Nossa luta é convencer nosso povo a se comportar de acordo com essa visão ética. Por isso devemos sempre querer que os culpados sejam punidos.” (Sandra Cavalcanti, professora e jornalista, foi deputada federal constituinte.- O Estado de S.Paulo)

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