“É livre a manifestação do pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, sendo vedado o anonimato. (CF 88).”

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A manobra do Município

Devido ao especial interesse no imóvel e a urgência na posse,  foi dispensada documentação legal e necessária à transação. Muitos erros foram cometidos.
Considerando-se que o documento foi elaborado pela Procuradoria Geral do Município e firmado por seu Procurador Geral, Rogério Favreto, então, além de inaceitáveis, são imperdoáveis as graves contradições  intrínsecas nele contidas.

Ao tomar conhecimento da transação imobiliária do prédio penhorado, mediante manifestação de Nelson Luiz da Silveira na demanda em andamento, fui até à Equipe de Patrimônio de Domínio Público da Prefeitura Municipal de Porto Alegre e solicitei cópia do processo                     nº 001.102348 99 5 000, em 17 de janeiro de 2001. Após vários dias, recebi as cópias, todas autenticadas pela assistente administrativa Janaína Hernandez Marques, matrícula 68388.8.
Logo de início, minha atenção voltou-se para o Laudo de Avaliação  assinado em outubro de 1999 pela engenheira civil MSc, PhD Cláudia M. De Cesare, matrícula 49783.4, feito em “atendimento à solicitação do Secretário  Municipal da Fazenda, Senhor Odir Alberto Pinheiro Tonollier”.  Entretanto, nas cópias do processo que me foram passadas, não consta pedido de avaliação dessa Secretaria, somente a solicitação de compra do prédio em questão, assinada pelo Secretário Municipal da Educação em  19 de novembro de 1999, com datas de contabilizado em 23 de fevereiro de 2000; 03 de abril de 2000; 03 de maio de 2000 e 05 de junho de 2000. Nesse documento, não há data de protocolo anterior à assinatura do contrato de compra e venda.
No item 1, Descrição Básica do Imóvel, a engenheira inicia alegando que “Face à falta de acesso à matrícula do registro imobiliário, a descrição da unidade avaliada será feita com base no cadastro do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e nas constatações oriundas da vistoria da unidade que foi efetuada em setembro de 1999”.2 Então, a engenheira PhD faz toda a descrição do prédio e sua localização.
A descrição das áreas de terreno e construção também foi realizada exclusivamente com base no IPTU, “tendo em vista a falta de acesso ao registro imobiliário”.
Ainda não consegui entender qual a dificuldade que o Município encontrava no acesso ao registro do imóvel que desejava comprar.
Sobre o cálculo do valor unitário Cláudia De Cesare informa que “é campo de arbítrio do engenheiro de avaliações definir o valor mais representativo para o imóvel (...)”. E conclui:  “Deve-se considerar a limitada liquidez do mercado imobiliário para absorver imóveis da natureza do avaliado, isto é, um prédio com aproximadamente 1.500,00 m2 localizado no centro da cidade. Portanto, considerando as características do mercado e do bem avaliado, o valor de mercado para este imóvel fica compreendido no intervalo entre R$ 967.047,69 e R$ 1.192.516,71. Tendo por objetivo a aquisição da unidade, sugere-se iniciar as negociações pelo limite inferior deste intervalo.”
O contrato foi feito tendo como base o maior valor sugerido que, acrescido de 20%, totalizou R$ 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil reais), fechando com a avaliação feita pelo perito do Poder Judiciário. Grande coincidência?
Dentre todos os imóveis disponíveis em Porto Alegre, o da Princesa do Lar era o que mais se adequava aos interesses da Secretaria de Educação. Observe-se que, em 18 de agosto de 1999, são averbadas a demolição e  uma construção, realizadas sobre o imóvel. Em outubro, é feito o laudo de avaliação para sua aquisição.
Em 19 de novembro de 1999, o Secretário Municipal de Educação, José Clóvis de Azevedo, envia  ofício a Odir Tonollier, Secretário Municipal da Fazenda de Porto Alegre, com o seguinte texto:
Vimos através deste solicitar a aquisição do prédio localizado na Av. Jerônimo Coelho esquina com a Mal. Floriano, no bairro Centro, visto que, entre os imóveis analisados, este é o que atende às necessidades do Centro Municipal de Educação dos trabalhadores (CMTE), atendendo também a demanda consagrada no PI/99 do Orçamento Participativo da Cidade e, considerando-se que:
está localizado no centro da cidade favorecendo o acesso dos alunos que se deslocam dos mais diferentes bairros, permitindo o uso de apenas uma condução;
o imóvel tem três andares para serem subdivididos em salas de aulas necessárias para atender os alunos matriculados, permitindo ainda a ampliação do número de vagas,com o mesmo número de professores; 
o imóvel tem distribuição do espaço adequado para a instalação do ambiente para a biblioteca, cozinha e refeitório para os alunos, salas  para laboratório, artes, psicopedagogia, secretaria, direção, professores e informática;
é possível organizar um auditório para reuniões, assembléias, proposta político-pedagógico desenvolvida, possibilitando o uso do mesmo pela SMED e pela própria Prefeitura;
existem banheiros em todos os andares para atender adequadamente os 320 alunos em cada turno;
oferece condições de higiene e segurança para todos;
não haveria outros estabelecimentos comerciais ou instituições no mesmo espaço físico, o que é fundamental para o funcionamento do Centro de Educação;
possui elevadores em boas condições de uso, facilitando o acesso e a locomoção dos alunos mais idosos;
possibilita a instalação de computadores a fim de produzir material didático-pedagógico em Braile para alunos cegos, atendendo, assim, mais uma demanda que está surgindo;
este imóvel poderia ser ocupado imediatamente, não exigindo grandes reformas,o que vem ao encontro da necessidade expressa pela comunidade escolar que, atualmente, convive com sérios problemas como a falta de esperança, os espaços exíguos, a intolerância da vizinhança que divide o espaço com a escola, a inexistência de espaço adequado para a confecção de merenda;
será concreta a possibilidade de ampliação de vagas atendendo a intensa procura da comunidade bem como a continuidade do trabalho com os surdos e alunos oriundos da Escola Porto Alegre (EPA);
A Escola poderá funcionar unificadamente, atendendo as totalidades finais que hoje funcionam na EPA, em função da falta de espaço;
Assim sendo, tendo em vista a inadequação do atual prédio em relação às instalações e condições de segurança e o fato de os outros imóveis analisados não serem adequados pois apresentam problemas estruturais, necessitando grandes investimentos com reformas ou não dispondo de espaço adequado às necessidades da Escola, solicitamos que considere nossa indicação de aquisição do prédio supra citado.

O economista Henrique Cándano Peixoto, matrícula 57.303.0, lotado na Secretaria Municipal da Fazenda, detentora dos recursos, acompanhou na PGM toda a transação. Indagado em depoimento no Ministério Público, ele informou que não é habitual o Município fazer compra de forma direta, normalmente ocorre por desapropriação direta ou indireta. Porém, a Secretaria de Educação manifestou urgência na negociação, e ele acompanhou todo o processo.
Deduz-se, então, que o especial interesse no imóvel e a urgência na posse comprometeram a feitura da documentação legal e necessária à transação. Muitos erros foram cometidos.
Henrique Peixoto diz que a Secretaria da Educação manifestou “urgência na negociação”, porém, não há pedido oficial no processo administrativo que dê origem à busca por um imóvel. Verificando-se as datas dos documentos apresentados, vê-se que a avaliação foi feita antes de qualquer pedido oficial e que a demolição e a construção ocorreram há poucos meses da venda.
O grande interesse e a urgência em adquirir aquele determinado imóvel – interesse afirmado várias vezes e em diversos momentos – foi maior do que a cautela que deveria pautar esse tipo de negócio. Assim, não foi observada  uma gama de documentos que alicerçariam a realização legal de um contrato.
Considerando-se que o documento foi elaborado pela Procuradoria Geral do Município e firmado por seu Procurador Geral, Rogério Favreto, então, além de inaceitáveis, são imperdoáveis as graves contradições  intrínsecas nele contidas.
Na verdade, o imóvel pertencia à Organização Imobiliária Princesa do Lar em dezembro de 1999, e não à Agropastoril Santa Márcia – como veremos posteriormente, na documentação arquivada no Registro de Imóveis da 1a Zona de Porto Alegre.
A  transcrição de acórdão da Décima Sexta Câmara Cível no processo nº 70019553478, decisão confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, também dá conta de que a Princesa do Lar não tinha documento de  baixa na Junta Comercial em 1999.
No processo de compra e venda, também não se encontra uma certidão reipersecutória da empresa vendedora e de seus sócios e certidão vintenária.  Não foram retiradas certidões em nome do vendedor e de seu cônjuge nos cartórios. Não há cópia da carteira de identidade e CPF do cônjuge e dos sócios; certidão de casamento averbada no Registro de Imóveis; certidão negativa do Registro de Distribuição para saber se existe ação cível contra o vendedor ou contra o imóvel; certidão de feitos expedida pela Justiça Federal, para saber se existe procedimento judicial federal contra o proprietário do imóvel; certidão de feitos da Justiça do Trabalho; certidão negativa do Ofício de Interdição e Tutelas, visando indicar se o proprietário do imóvel negociado não perdeu seus direitos civis. A escritura somente deveria ser lavrada em cartório após a entrega de todos os documentos citados.
O desprezo, ou o não-uso dessas informações primárias (que são utilizadas até pelo mais simples cidadão, quando pretende adquirir um imóvel), inegavelmente é fator que caracteriza  uma atitude culposa pelo destino da coisa pública.

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“É preciso entender que as leis servem apenas para orientar a nossa convivência, como sociedade. Mas nosso comportamento como pessoas depende de nossos valores, do uso de nosso discernimento e da nossa liberdade. Não dependemos de governos, partidos e líderes para sermos honestos e verdadeiros. Os valores morais é que nos mostram o caminho do bem e da verdade, são eles que impedem o ser humano de praticar atos ilícitos. Quando não são importantes na vida das pessoas, não há sistema que impeça um lamaçal de corrupção e de maldades.

Caráter, consciência, amor à verdade e ao próximo, generosidade, fidelidade, responsabilidade, respeito ao alheio, senso de justiça, são essas as virtudes que comandam a vida pública. Abandoná-las é decisão pessoal. Toda culpa é pessoal. Ela é decorrente do mau uso da liberdade. A culpa é tão intransferível quanto as virtudes. Nossa luta é convencer nosso povo a se comportar de acordo com essa visão ética. Por isso devemos sempre querer que os culpados sejam punidos.” (Sandra Cavalcanti, professora e jornalista, foi deputada federal constituinte.- O Estado de S.Paulo)

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-culpados--devem-ser-punidos-,798388,0.htm