Todos
conhecem o amor, mesmo escapando da razão a possibilidade de sua perfeita
explicação. Fernando Pessoa, em trecho cuja autoria lhe é atribuída, elucida:
“amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que
queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?”.
Mas, para doutrina e jurisprudência, o mais
nobre dos sentimentos não pode ser exigido, pois não é um direito. Trata-se de um corpo
estranho ao universo jurídico, pelo simples argumento de supostamente não estar
previsto no ordenamento.
Amor dos pais: direito das crianças e adolescentes
Bruno Barbosa Heim
(...)
2 Direito ao Amor: da Negação ao Necessário Reconhecimento
Em 24 de abril de 2012, apreciando o Recurso Especial n.
1159242/SP, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão
inédita no âmbito deste tribunal, com grande repercussão no seio jurídico.
Reconhecia-se que os filhos abandonados afetivamente pelos pais podem sofrer
danos morais e que este ato, ilícito, enseja o dever de indenizar. O tribunal
não pode ordenar o retorno do tempo para que o dano não ocorresse, mas, buscou
pela valorização in pecunia, compensar a lesão. A decisão, também, tem função
pedagógica, ao dissuadir outros pais a não se furtarem dos deveres inerentes à
paternidade.
Porém, ao lavrar seu voto, o exmo. Ministro que relatou a decisão
adentrou em debate que se estende há anos na doutrina e jurisprudência, e é
objeto deste estudo: crianças e adolescentes têm o direito de serem amados por
seus pais?
(...)
O amor, portanto, não foi compreendido como direito, mas se apresentou como bem
a ser estranhamente tutelado. A criança não recebeu amparo no braço de seu
genitor, nem tão pouco do STJ, mas, na perspectiva do Ministro, ao negar
acolhida pelo Judiciário estar-se-ia protegendo este bem.
(...)
Data máxima vênia, ousamos discordar dos posicionamentos
supramencionados. O Judiciário não pode se furtar de apreciar matérias situadas
no campo do “intangível” ou do que não é passível de “mensuração”, para
permanecer no confortável campo do que é “mais técnico” [1],
sob pena de, no mínimo, violar o direito fundamental de inafastabilidade do
Poder Judiciário.
Ainda que o amor não possa ser medido e quantificado, o dano
causado à criança ou adolescente pela sua ausência é passível de mensuração e
não seria estranho à rotina do Judiciário, que diuturnamente aprecia pedidos de
reparação por danos morais à imagem, honra, nome e demais direitos da
personalidade.
Outrossim, a suposta ausência de normatização não pode ser
argumento suficiente para negar o “amor” como direito subjetivo titularizado
por crianças e adolescentes. A lei não é a única fonte do direito, isto já está
claro desde a Lei de Introdução ao Código Civil[2], e inúmeros
trabalhos têm abordado a pluralidade de direitos que coexistem na sociedade, ou
da força das necessidades como produtora de novos direitos (WOLKMER, 2004). Não
há dúvidas que o amor é uma necessidade de todos, principalmente para o
infante.
Resta, em remate, afastar a impropriedade de que o amor não é um
direito, por, supostamente, não estar previsto no ordenamento jurídico como
“lei”, pois ele já se encontra devidamente positivado.
A lei n. 12.318/10, que dispõe sobre a alienação parental,
conceitua-a como interferência na formação psicológica de crianças e
adolescentes que causa prejuízo à manutenção de vínculos com o genitor[3].
“Vínculos”, no plural, pode envolver as relações de paternidade e relativas ao
poder familiar, mas, nos parece que especialmente se refere aos vínculos
amorosos e afetivos estabelecidos entre pais e filhos. No mesmo sentido, Maria
Berenice Dias (201?, p. 02) descreve a consequência da alienação parental como
a ruína do vínculo amoroso: “a criança, que ama o seu genitor, é levada a
afastar-se dele, que também a ama. Isso gera contradição de sentimentos e
destruição do vínculo entre ambos”. Não restam dúvidas, portanto, que o amor no
seio das relações familiares foi definitivamente reconhecido como bem jurídico
a ser devida e legitimamente tutelado.
Mas, muito antes disso, a Declaração Universal dos Direitos da
Criança, adotada pela Assembléia da Organização das Nações Unidas (ONU) em 20
de novembro de 1959 já era clara a este respeito, ao declarar – e não instituir
– entre os seus princípios, que toda criança tem direito de ser amada pela
família e sociedade.
Também, a Convenção Sobre Direitos da Criança adotada pela
Assembléia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989, aprovada pelo Decreto Legislativo
n. 28, de 14 de setembro de 1990 e promulgada pelo decreto presidencial n.
99.710, de 21 de novembro de 1990, reconhece que a criança “deve crescer em um
ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e
compreensão”.
Como outros direitos expressos em tratados internacionais de
direitos humanos são material e formalmente fundamentais, mormente
interpretação conduzida pela doutrina especializada acerca da cláusula aberta
de direitos fundamentais prevista no art. 5º, §2º da Constituição Federal (PIOVESAN,
2008). Em que pese não ser este o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal
Federal, não restam mais dúvidas que os tratados internacionais de direitos
humanos ingressam na ordem jurídica interna com posição hierárquica destacada,
alojando-se acima das legislações ordinárias e complementares, quando não
aprovados pelo procedimento previsto no art. 5º, §3º, hipótese que equivalerão
às emendas constitucionais.
3 Conclusão
O amor, tema que esteve presente na sociedade deste o sistema
mítico de explicação da realidade e se mantém insuperável na atualidade, tem
sido fustigado pela doutrina jurídica e jurisprudência, que lhe afasta da
condição de direito subjetivo. Crianças e adolescentes, carentes do amor
paternal, encontram barreira no judiciário sempre que buscavam reparação em
face do pai ou mãe, sobre fundamento de que, se não é um direito expressamente
reconhecido pelo ordenamento jurídico, não haveria um correlato dever jurídico
a se atribuir aos pais. Consequentemente, não se configura ato ilícito passível
de reparação. Da análise da doutrina e dos votos de Ministros do STJ
encontramos, ainda, posicionamentos acerca da intangibilidade do amor, que o
tornaria imensurável e, portanto, impossível de ser apreciado pela técnica
jurídica.
Em sentido contrário, pudemos demonstrar que intangibilidade, bens
imensuráveis e incertezas técnicas não são questões estranhas ao ordenamento
jurídico brasileiro, assim como os “direitos” não são apenas aqueles previstos
em lei, mas que existem diversos direitos sendo afirmados pela sociedade, em
especial, aqueles oriundos da necessidade humana; também, apresentamos a
previsão do amor como um bem jurídico e direito humano de crianças e
adolescentes na legislação pátria e em tratados internacionais de direitos
humanos, que integram a ordem jurídica brasileira.
Diante disto, sem negar os avanços oriundos do Recurso Especial n.
1159242/SP, que reconheceu a ilicitude da conduta de pai ausente que abandonou
afetivamente filho, provocando-lhe dano moral, cremos ser hora da doutrina e
jurisprudência alterarem posição acerca do direito subjetivo de crianças e
adolescente serem amados por seus pais.
Esta conclusão pode ser alcançada pela técnica – com o estudo do
sistema internacional de direitos humanos, da interpretação da legislação
pátria e da compreensão do direito como um fenômeno que se cria e reproduz
constantemente pela sociedade – ou, simplesmente, pelos caminhos do coração.
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