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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A perda de uma chance como uma nova especie de dano indenizável

Naara Tarradt Rocha Wanderley
1. INTRODUÇÃO
Com o passar dos tempos a noção de responsabilidade civil foi evoluindo e com isso se modificando. No Brasil uma variedade de suposições de danos indenizáveis vem aparecendo em decorrência de uma menor exigência para serem reconhecidos. 
A dinamicidade da vida na atualidade, os avanços tecnológicos, fazem emergir a obrigação imprescindível de se reparar diversas espécies de danos. No direito Brasileiro, com a evolução da Responsabilidade Civil surgiram diversas formas de reparação acompanhando suas tendências, merecendo atenção e compreensão a questão da perda de uma chance.
A perda de uma chance vem sendo alvo de diversas discussões doutrinárias no mundo.
Inúmeras situações ocorrem no dia a dia das pessoas, privando-as da oportunidade de obter uma possível vantagem ou de evitar um prejuízo, pois fora afetado por um ato lesivo ocasionado por outrem.
A teoria da perda de uma chance surgiu justamente para tentar reparar o dano decorrente da perda da oportunidade de se ter uma vantagem ou de evitar um prejuízo futuro, pois hoje é possível identificarmos um dano independente de seu resultado final.
Existem diversos casos práticos conhecidos em que esta teoria é facilmente aplicada, podendo destacar o caso do médico que fez um errado diagnostico do paciente com uma grave doença causando um atraso no tratamento e provavelmente acabando com as chances de sobrevivência, o cidadão que deixa de prestar um concurso a qual vinha estudando, pois simplesmente o transporte que contratou não funcionou, o empresário que deixa de participar de uma licitação a qual estava cadastrado porque o transporte aéreo que o levava atrasou horas, o cliente que deixa de ter seu processo visto pela instância superior porque seu advogado perdeu o prazo para interposição de recurso acabando com a possibilidade de ter um segundo julgado a seu favor.
Surgiu esta nova modalidade de dano com o intuito de se abarcar os casos em que o indivíduo ficou ofendido em um direito seu de almejar uma vantagem futura ou de impedir um dano, por um ato de outrem, vendo-se lesado, e, no entanto, não tem possibilidade de comprovar, certamente, que concretizaria o resultado almejado, e que, sendo assim, este dano é indenizável e necessita de proteção jurídica.
(...)
3.A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO BRASIL
Centro de abrangentes e profundas discussões na Europa, a teoria da perda de uma chance, vem influenciando e renovando o aspecto da responsabilidade civil Brasileira. Esta aparece vinculada à necessidade de tornar maior o campo de reparação dos novos danos. Compreendeu-se que havia casos em que era claramente percebido o dano, no entanto sua extensão  não era facilmente notada.
 No Brasil esta teoria é absolutamente nova e vem ganhando muitos adeptos têm sido fundamentada na doutrina e na jurisprudência, visto que o Código Civil Brasileiro de 2002 não traz referência quanto a sua imposição.
  No nosso país a teoria da perda de chance chegou em 1990, através de uma Conferência no Rio Grande do Sul, do professor François Chabas, que é um grande estudioso Francês deste instituto
Ora, sabemos que a principal atribuição da Responsabilidade Civil Brasileira é pretender que a vítima possa ser ressarcida e que volte a condição que se encontrava antes do dano sofrido. Este instituto está inteiramente voltado à proteção da dignidade da pessoa humana, o qual dá abertura para que possam surgir diferentes espécies de indenizações, de modo a se reparar o dano injusto com uma maior proteção à vítima.
3.1.APLICAÇÃO DOUTRINÁRIA NO BRASIL
Até um tempo atrás a produção doutrinária sobre a responsabilidade civil pela perda de uma chance vinha se mostrando bastante tímida. No entanto, a doutrina hoje admite e têm por verdadeira o valor da chance perdida, reconhecendo a teoria, no entanto a grande maioria ainda trata de forma superficial, sendo motivo de muitas controvérsias. Até certo tempo a maior parte dos doutrinadores tinham certa resistência em relação a perda da chance.
 Aqui a perda da chance está ligada à ideia de dano, como forma de aferição do mesmo, para efeitos de ressarcimento. Salienta Rafael PETEFFI em uma completa conceituação da chance perdida:
A chance representa uma expectativa necessariamente hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso do processo aleatório. Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato imputável, a vítima experimentará a perda de uma probabilidade de um evento favorável. Esta probabilidade pode ser estatisticamente calculada, a ponto de lhe ser conferido um caráter de certeza. (PETEFFI:2009, p. 13)
Merece destaque o entendimento de Sílvio de Salvo Venosa, o qual cita como exemplo em sua obra:
Veja com exemplo elucidativo de perda de chance, o fato ocorrido nas Olimpíadas de 2004, quando um atleta brasileiro que liderava a prova da maratona foi obstado por um tresloucado espectador, que o empurrou, o retirou do curso e suprimiu-lhe a concentração. Discutiu-se se o nosso compatriota deveria receber a medalha de ouro, pois conseguiu a de bronze, tendo chegado em terceiro lugar da importante competição. Embora tivesse ele elevada probabilidade de ser o primeiro, nada poderia assegurar que, sem o incidente, seria ele o vencedor. Caso típico de perda de chance, chance de obter o primeiro lugar, mas sem garantia de obtê-lo. Um prêmio ou uma indenização, nesse caso, nunca poderia ser o equivalente ao primeiro lugar na prova, mas sim em razão da perda dessa chance. Tanto assim é que os organizadores da competição acenaram-lhe com um prêmio alternativo.(VENOSA:2006, p.30)
É sabido que, alguns autores tradicionais, tais como Aguiar Dias, Caio Mario e Agostinho Alves já tratavam de forma sucinta da questão da perda da chance.
De início, Agostinho Alvim trata em sua obra da perda de prazo por parte do advogado para interpor recurso de apelação, reconhecendo que mesmo que não seja possível provar que o recurso interposto teria logrado provimento, o autor  aceita  a existência de um dano diverso da perda da causa, consistente na perda de chance de ver a matéria reexaminada pelo Tribunal, dano este possível de prova de certeza e de quantificação.
José de Aguiar Dias (1995, p.296), em obra sobre a responsabilidade civil, também acolhe a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance. Descreve a responsabilidade do advogado pela perda da chance e critica o julgado de 1936 do Tribunal de São Paulo, no qual ficou decidido que a simples possibilidade de ser reformada uma decisão, mediante a interposição de recurso que não havia sido preparado no prazo pelo advogado e, por isso, deixou de ser conhecido, não autorizaria a ação de reparação contra o advogado negligente. Segundo Aguiar Dias, este julgado deixou de decretar uma responsabilidade que, da sua própria leitura, lhe parece irrecusável.
Caio Mário da Silva Pereira (2002, p. 42) também é favorável à teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, afirmando que a chance perdida será indenizável desde que, mais do que uma possibilidade, haja uma probabilidade suficiente. Exige, assim como os adeptos da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, que a possibilidade perdida seja real e séria.
O grande autor Sérgio Cavalieri Filho, afirma que não se deve considerar a chance como a perda de um resultado certo, tendo em vista a incerteza de ser realizada. A chance deve ser considerada como a perda de uma possibilidade de alcançar ou evitar que determinado resultado se realize, porem deverá que se fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo.
Percebemos que a doutrina, embora muitas vezes equivocadamente conceitue o dano pela perda de uma chance, vêm admitindo na maioria dos casos o valor patrimonial da chance contribuindo para o acolhimento doutrinário no país.
3.2. APLICAÇÃO NOS TRIBUNAIS BRASILEIROS
A teoria da perda de uma chance vem ganhando espaço e popularidade nos tribunais brasileiros, atualmente podemos verificar diversas decisões. No entanto o que vemos é que os Tribunais Estaduais, Federais e Superiores vêm aceitando as chances desde que, sejam sérias e reais, entretanto assim como na doutrina existe certa dificuldade em formar um conceito acerca desta teoria, mas, acolhendo os artigos 187, 402, 927, 948 e 949 do Código Civil Brasileiro, reconhecem a possibilidade de reparação de qualquer dano injusto causado a vítima.
Temos um caso bastante interessante e recente, em que o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o SBT a pagar indenização de R$ 59 mil ao corintiano Júlio Augusto de Souza, candidato excluído na penúltima fase do programa “Vinte e Um” por uma pergunta mal formulada, fazendo uso da teoria da perda de uma chance.Vejamos na integra a reportagem publicada pelo jornalista Fernando Porfírio que é repórter da revista Consultor Jurídico, feita  no dia 25 de maio de 2010:
Adiante estão dois Julgados reconhecendo a perda de uma chance:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PLANO DE SAÚDE. AUTORIZAÇÃO PARA INTERNAÇÃO E REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM URGÊNCIA. Paciente portador de lesão obstrutiva de aproximadamente 70% na artéria carótida interna esquerda. Demora de mais de 20 (vinte) dias para a autorização. Falecimento do segurado. Perda de uma chance. O médico assistente do segurado solicitou à seguradora, em caráter de urgência, autorização para a realização de procedimento cirúrgico no paciente. Desnecessidade de avaliação do caso por junta médica. Inteligência do art.35-C da Lei nº 9656/98. Inobservância pela embargante das cláusulas contratuais nº 2.2 (fls.17) e nº 12.2 (fls.32) inseridas no contrato. A ofensa ao artigo 35 - C, inciso I, da Lei nº 9656/98 e às cláusulas contratuais pela recorrente, ao inviabilizar a realização da cirurgia emergencial, resultou na perda de uma chance de sobrevivência do segurado que, lamentavelmente, faleceu antes de obter a autorização pretendida. Inexistência de violação dos artigos 264, parágrafo único e 333, inciso I, do CPC. Dano moral configurado. Valor arbitrado no patamar de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).( TJ/RJ- Apelação nº. 0082679-06.2010.8.19.0001 - décima quinta Câmara Cível des. Helda Lima Meireles - julgamento: 26/04/2011)
RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL - TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO - PERDA DE UMA CHANCE. (...). A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. (...). Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo. Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá conseqüências não só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações. (STJ - REsp 745363/PR -Rel. Min. Luiz Fux – Publ. em 20/9/07)
Podemos observar claramente que as decisões utilizam a teoria da perda de uma chance, e foram proferidas neste novo milênio. Mesmo avançando a passos largos, esta teoria aos poucos está sendo reconhecida nos tribunais Brasileiros e, assim está se consolidando uma sólida tendência jurisprudencial consentindo na aplicação da perda da chance.
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“É preciso entender que as leis servem apenas para orientar a nossa convivência, como sociedade. Mas nosso comportamento como pessoas depende de nossos valores, do uso de nosso discernimento e da nossa liberdade. Não dependemos de governos, partidos e líderes para sermos honestos e verdadeiros. Os valores morais é que nos mostram o caminho do bem e da verdade, são eles que impedem o ser humano de praticar atos ilícitos. Quando não são importantes na vida das pessoas, não há sistema que impeça um lamaçal de corrupção e de maldades.

Caráter, consciência, amor à verdade e ao próximo, generosidade, fidelidade, responsabilidade, respeito ao alheio, senso de justiça, são essas as virtudes que comandam a vida pública. Abandoná-las é decisão pessoal. Toda culpa é pessoal. Ela é decorrente do mau uso da liberdade. A culpa é tão intransferível quanto as virtudes. Nossa luta é convencer nosso povo a se comportar de acordo com essa visão ética. Por isso devemos sempre querer que os culpados sejam punidos.” (Sandra Cavalcanti, professora e jornalista, foi deputada federal constituinte.- O Estado de S.Paulo)

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-culpados--devem-ser-punidos-,798388,0.htm