“Escolheu, como fazem tantos magistrados, tapar os olhos com a
peneira, e escolheu a saída técnica que deu a poderosos condenados a saída
técnica que será negada ao ladrão de galos, porque, a ladrão de sabonetes,
saída técnica inexiste, a pretos pobres sem Supremo, suprema a injustiça,
desembargada, a injustiça que os condena.”
O embargo e seu descaso
Denilson Cardoso de Araújo
Reflexão após o voto do Ministro Celso de Mello, quanto os
embargos infringentes no "Mensalão". Quando a técnica esquece a ética.
Dizem os
sábios que, a depender de quem a empunha, a lei bem corta pros dois lados.
Assim, lâmina de lei precisa de pedra hermenêutica que a amole. Pois se gasta.
E juiz, quando empunha a lei e a pedra, deve descer do Olimpo e situar o aço da
decisão na realidade do caso e o caso no contexto habitado. Lei deve ser
límpida, não pode ser descaso. E decisão de juiz, em sentido estrito, é lei
também. Isso lhe é dado. Pois então, precisa, um juiz consciente, de povo que
bem o apoquente com a realidade, para que acerte a lei, a pedra, a lâmina. E o
lado.
Infringente
o embargo, porque contrários votos houve. Não esconde, o concílio de advogados,
a esperteza de tentar infringir a decisão com a faca desse embargo. Só pra
alcançar a tibieza de um tribunal de absolvições já engravidado, pois quem
nomeou os dois que podem mudar o resultado foi justamente quem no banco dos
réus se viu sentado! Não duvidemos que todo o que ali foi nomeado, em palácio,
previamente, foi bem sabatinado. Antes, houve votos de ministro que pareciam
fúrias de advogado de réu desesperado. Pelo poder nomeados, um dia, em prol de
quem ocupa o poder, um dia litigaram. Pelo menos dois dos eminentes
magistrados. Lewandovsky e Toffoli. Natural que tenham rogado ao governo melhor
amparo. No Congresso, esse bicho ajoelhado, sabatina mansa de Senado, sempre
leva à toga maior, qualquer que seja o indicado. Seja jurista de conceito, seja
magro poste, o apresentado.
Sou miúdo
de compreensão para alcançar todas as implicações que pode ter a reversão de um
julgado assim. Mas compreendo que, se algo de legítimo houve nas ruas berrantes
de junho, insatisfação era seu nome. Saco cheio da revolta do povo esgotado. O
Supremo, sem que, a meu ver, a tanto assim tenha se capacitado, surgiu na
treva, vela acesa, e reluziu a lâmina da aurora sobre o céu da Mãe Gentil.
Imperfeita, a esperança, mas de hombridade a chama, se esperava. Não. O
julgamento se reabre. Lamentável. Volta a nós a sensação de, como assim, como é
que pode, quem diria... Está aí, redivivo, o monstro, essa hidra, a impunidade.
Pobre
Celso de Mello. Pagas de ser decano, experiente. Tinha que decidir como segurar
a espada em cuja lâmina rebrilhava o sol. Escolheu, como fazem tantos
magistrados, tapar os olhos com a peneira, e escolheu a saída técnica que deu a
poderosos condenados a saída técnica que será negada ao ladrão de galos,
porque, a ladrão de sabonetes, saída técnica inexiste, a pretos pobres sem
Supremo, suprema a injustiça, desembargada, a injustiça que os condena. Celso
de Mello levou pela mão o país. E o deixou nos portais do túnel da descrença,
essa doença, de matar democracias e perpetuar desigualdades.
Podia ter
escolhido, como fazem poucos, corajosos magistrados, abrir os olhos com brio de
ver, sim, essa nossa história de fracassos, o povo aviltado, e escolher saída
técnica que desse fim definitivo a poderosos condenados. O necessário. Sua mão
podia ter sido a que recolhe à grade merecida o condenado. Firmeza melhor teria
tal mão, a conduzir o país aos portais azuis da ponte do futuro desejado. Não
foi assim. Celso de Mello continuou jurista respeitado na quinta-feira. Seu
voto será discutido em seminários. Mas podia, na quinta-feira, ter amanhecido
tão jurista respeitado, quanto mais, cidadão iluminado. Excelso de Mello. Não
foi assim. Ficou com a opção da esperança que fracassa. Pobre Celso de Mello.
Pobres de nós.
Antigamente,
o filósofo era cientista, teólogo, jurista, físico, pensador de conhecimentos
umbilicalmente interligados. Uns saberes, pelos outros, mediados. A ética,
linha de equilíbrio, entre raciocínios tanta vez, adversários. Veio Aristóteles
e recortou com sua tesoura os conhecimentos em retalhos. Importante, para que
as áreas desmembradas ganhassem perna própria e longe caminhassem. Deu físicos
extraordinários, químicos geniais, juristas de renome. Mas a ética desprezou-se
para um lado, a ciência vorazmente alargou-se ao rumo contrário. O desencontro
deu desculpas ao cientista tolo, que acha pura a ciência que exerce,
desinteressada, apartidária, que merece todos os avanços que a pesquisa lhe
alcançar. Assim se fazem bombas atômicas. Assim se faz acatamento do
oportunista embargo.
Os
cientistas que pesquisaram o átomo, esqueceram que havia, observando sobre seus
ombros, os senhores do apocalipse, uniformizados. Os juristas que tecem
embargos, ora para o desnorteio, ora para o oposto lado, cegos à necessidade de
construção de uma ética coletiva, esqueceram de que havia, observando por sobre
seus ombros, os senhores da esperteza dos palácios. Em ambos os casos, o povo
aqui embaixo, pasmo, sofrendo radiações e impactos. Da bomba que os pulveriza,
dos embargos acatados que esfarelam sua esperança já esquálida.
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